domingo, 6 de abril de 2008

ser ou não ser... eis a questão?


Em tempos de self-made man, seguindo os referenciais democrático-individualistas, fica até difícil imaginar o que virá a seguir. Este caso específico "Miss Bimbo" é mais uma das idéias que, na minha modesta opinião, tem tudo pra dar errado. Errado na minha opinião, pois os mais de 350.000 registros na página mostram que está dando certo.

Comecemos pelo objetivo do jogo: Miss Bimbo, pelo que entendi, é uma espécie de RPG, um jogo onde você vai desenvolvendo seu personagem com o andar da carruagem. Pois bem, ali você é uma jovem (uma boneca virtual) que tem como intuito tornar-se a mais legal, famosa e gostosa do mundo pra conseguir o melhor dos casamentos com o boneco virtual mais rico. Não sei se isso já é suficiente pra causar estranheza, pode ser que não tendo em vista o apelo crescente à aparência, à imagem - isso tudo já está aí desde a década de 60, Debord não me deixa mentir quando fala da sociedade do espetáculo.

Impossível não traçar um paralelo entre essa boneca virtual e a tão famosa boneca (palpável) Barbie. Pode-se dizer que o público-alvo é o mesmo - a maioria dos registros no website Miss Bimbo é de meninas com idade entre 8 e 16 anos. Temos na Barbie uma imagem de uma mulher jovem e bela (com medidas que devemos reconhecer como impossíveis para um ser humano), na qual a menina pode espelhar um futuro através de suas brincadeiras. As possibilidades de identificação são tão variadas quanto os diversos modelos da boneca presentes nas prateleiras - Barbie médica, esportista, veterinária, rock-star, grávida, com filhinha, e também tem o Ken, seu namorado/marido/par romântico/e tudo mais que a fantasia infantil for capaz de realizar.

Ainda atrelados ao mesmo tema, encontramos na literatura e filmes infantis, desde muito tempo atrás, a referência explícita à determinado padrão estético: A Bela Adormecida, A Gata Borralheira, e tantos outros em que a beleza é o chamariz para que o príncipe arrisque sua pele para desposá-las. Enfim, estaria este pobre mortal que sou fazendo apologia à uma quebra radical de paradigmas há tanto instaurados em nossa cultura? Não. Quem quiser quebrar que quebre, eu não prego isso. E, antes que pensem algo do gênero, concordo plenamente que a aparência é sim um dos grandes atrativos na escolha de um(a) parceiro(a). Porém, o que me incomoda é o estado de insciência geral relacionado a isso: o ter de se fazer, sob pena de nunca ser desejável se não cumprir esta exigência. “E se as mulheres não são feiticistas é porque executam sobre si próprias o trabalho contínuo de feiticização, tornam-se bonecas. Sabe-se que a boneca é feitiço, feita para ser continuamente vestida e despida, enfeitada e desenfeitada. É este jogo de cobrir e descobrir que tem valor erótico para a infância, é neste jogo às avessas que regride toda a relação objectal e simbólica, quando a mulher se faz boneca, se torna o seu próprio feitiço e o feitiço do outro” (Baudrillard. A troca simbólica e a morte, 1996). Vejam bem, ainda estou me reportando ao website e seu serviço oferecido. São crianças que entram ali. Fazem seu registro gratuitamente e apenas o registro, pois as atitudes das bonecas virtuais são pagas. Pelo preço médio de R$5,00, através de mensagens SMS, são comprados os atributos das bonecas: bronzeamento artificial, manicure, cabeleireiros, lingeries, roupas, operações plásticas, dietas específicas e afins (inicialmente até se podia comprar pílulas para emagrecer, na página inicial do site pode ser verificado que eles até se desculpam por remover este item).

O que julgo acima como possibilidade de dar errado é a maneira superficial como a coisa toda é tratada. "As missões e metas são moralmente sólidas e ensinam as crianças sobre o mundo real", diz Nicolas Jacquart (23 anos, web designer responsável pelo site), julgando ser uma diversão inofensiva. Ora, a Barbie surgiu em 1959 inspirada em uma pin-up tridimensional chamada Lilli que era objeto de consumo de homens adultos. Sim! Lilli era uma boneca alemã comercializada em tabacarias, um brinquedo erótico masculino. Tá legal, o aspecto funcional foi totalmente subvertido de uma para outra, e hoje, observando as identificações supracitadas possíveis (uma mãe, uma namorada, uma profissional, etc) dá pra gente ver uma porção de coisas bacanas, sadias e diria mesmo necessárias ao desenvolvimento infantil. Não que todo brinquedo ou jogo tenha que ter algo disso, mas gostaria que alguém tentasse me dizer o que essa tal de Miss Bimbo tem, que não um potencial devastador de um atolamento no imaginário: deturpando toda a noção relativa à saúde e consciência corporal com atitudes que variam de fúteis a invasivas; condecorando (ainda mais que o mundo real) a competição medíocre e a necessidade desesperada do corpo perfeito; esquartejando as relações humanas, como se tudo relacionado à satisfação dependesse de ter mais para ser mais.

Mas tudo bem, eu sou um velho, isso não me canso de dizer. Joguei muito video-game e nem por isso saio atirando em pessoas nas ruas. Ninguém garante que as Misses Bimbo saiam por aí frenéticas em comportamentos absurdos e até auto-destrutivos, fazendo de todas as suas relações objetais. Mas também, ninguém pode garantir o contrário (ou pode?).

Novamente torço pra que eu esteja totalmente equivocado em minha opinião. E, estando ou não, retomo a 1ª frase ali de cima: o que vem a seguir?

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