segunda-feira, 3 de março de 2008

Dias Piores

atrás da porta o vazio. De longe ouvia o 1o movimento – allegro ma cantabile – de seu disco preferido. Num ímpeto salta da cama e, ao olhar para o chão, dunas. Sabe que são dunas porém, o que faziam ali não importa.

Sente-se só. Sai para caminhar. Percorre um trecho sem pensar, apenas caminha. Ainda ouve aquela música, suave, branda, de nada quer saber e o que sabe é que não compreende aquilo tudo. Avista um galpão e vai em sua direção. Cada passo dura uma eternidade e quanto mais se aproxima, tem a impressão de que mais distante está. Cai.

Tudo escuro quando desperta. Quer levantar mas não consegue. Ouve uma sirene e apaga novamente. Adormecido, sonha com o dia em que vai acabar. O que é seu, e o que não é; o que viu, e o que deixou de ver; o que passou, e o que se fez passar; o que gritou, e o que calou; o que viveu, e o que teve que morrer para viver; o que ficou, e o que carrega consigo; agora é nada, acabou.

O amanhecer é doloroso. Todo o calor do mundo é sentido como seu. A dor quase insuportável de abrir os olhos e ter a estranha sensação de estar vivo. Seu desejo é este, a dor. Faz frio, cada nervo de seu corpo traduz o que sente entre espasmos e gemidos. A angústia do ser que não é. Mesmo que fosse, pouco seria. Um grão, é o que é. Ínfima parte de montanhas de grãos que à menor brisa se esvaem em um ciclo infinito do pertencer ao sujeitar-se.

A música não é mais doce, o fel da existência lhe traz a lembrança de dias melhores. Dias que não viveu, achou que seria melhor fazer outra coisa. Junta um punhado de areia nas mãos e coloca no bolso. O galpão parece mais próximo agora. Está cansado, daria metade do resto da vida que tem para não estar. Queria sentir-se jovem, poder correr ou fugir. Não pode.

As luzes se acendem, é hora do sol se pôr. A fumaça atrapalha sua vista. Os ponteiros preguiçosos do relógio já não o acompanham. Não queria estar ali. Preferia como era antes, seria bom se fosse como antes. Impossível! Então sorri. Seu sorriso se transforma em risada. Da risada uma gargalhada, daquelas de provocar lágrimas. Das lágrimas o choro e, de novo, ao delírio.

Silêncio, calmaria, cores, tons e texturas. Tudo se confunde criando a ilusão. Tudo o ilude criando confusão. O telefone toca, é alguém querendo se encontrar, alguém que precisa se encontrar, e ao final manda um beijo. Isso, talvez seja isso que queira. Um beijo. Um anestésico. Já não quer sentimento, prefere sentir. Senta e olha o céu. Só a lua lhe faz companhia. Coloca os cotovelos nos joelhos, debruça-se sobre os braços e ali fica. À espera do dia, de um novo dia.

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